quarta-feira, 11 de junho de 2008

Para refletir


O autor deste texto é João Pereira Coutinho, jornalista.
"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta
não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas
proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo
contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa
ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há
cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da
fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas
numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos
três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis,
e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos,
como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas
sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com
sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão
geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de
sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho,
os restaurantes de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar
forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais
temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A
meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar
o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.

Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne,
saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a
felicidade!"

Nenhum comentário: